domingo, 17 de fevereiro de 2013

Falar Sobre Falar Sobre


As vezes tenho o dom
De tirar o viver da vida
Como ferida que não dói
Tristeza que não corrói
Barulho que não tem som.

É quando eu falo da coisa
E o espírito da coisa vai embora
Como se o invés de lar
Fosse apenas casa
Como se fosse brasa
Mas sem calor

É como tirar o momento
De dentro do agora
Como falar de amor
Por mais de uma hora.
Como explicar a cor
De um pôr-do-sol
Falar o sabor
Da maçã, da hortelã ou do sal
Explicar a manhã
Ou descrever seu arrebol 

Dizer de um peito que se aperta
Ou de um olho que chora
Saber a palavra certa
Sem saber a sua hora

É como faço Agora
Enquanto a palavra me usa
Falando sobre
Falar sobre
O espírito da coisa
Mas sem o espírito da coisa
O que é que sobra?

O espírito das coisas
Não tem nome
É a gente que tem fome
Das palavras

Coisa que a gente devora
E não sacia
Quando a palavra demora
Vence o Silêncio
Ou a Poesia

Bem Vindos


Esse é um espaço para o exercício das palavras, na esperança que um dia elas me ajudem a compartilhar meu quinhão desse mundo, coisas que sinto que só vê quem olha daqui de mim.

Fiquei um longo período brigado com elas (as palavras) escritas, assim, em prosa, porque eu costumava me afogar em suas métricas e sentidos. Quando digitadas, ou mesmo deslizadas no papel, nunca diziam exatamente o que eu queria que dissessem. Parecia que para chegar nessa compreensão que  eu imaginava tão facilmente em minha mente, precisaria passar a vida toda escrevendo livros e mais livros para, ainda assim, não chegar em lugar algum.

Garimpava síneses, buscando a praticidade do outro, a necessidade do outro, os olhos e ouvidos do outro, porque no fundo as palavras só me servem mesmo para saciar esse desejo de compartilhar o mundo.

Há alguns dias recuperei uma caixa de cadernos muito antigos. Escrevo coisas desde a adolescência, e nunca dei muito valor àquelas palavras porque sempre senti que não abrigam às verdadeiras ideias. Mas gostei do que li naqueles cadernos. Havia verdade naquelas palavras. Eram genuínas, ousadas, corajosas, completamente despreocupadas de quem às leria. Soavam cheias de si, com uma deliciosa prepotência que me seria muito saudável nos dias de hoje. Eram palavras selvagens.

Hoje tornaram-se vira-latas, se adaptaram ao meio mesquinho e insuficiente do mundo pragmático, revirando sentidos para aproveitar alguma poesia que sobre, qualquer coisa que cheire à verdade. Se tornaram, cativas e enfadonhas, praticamente às escrevo escondido, porque elas, querendo ou não, revelam. Exercem esse poder sobre mim, me deixam completamente exposto e nu.
Por isso quero exercitá-las. Quero vê-las fortes e robustas para aguentar o que nelas galopam: o sentido, o verdadeiro sentido. Quero cuidá-las como cavalos andaluzes para que me levem onde eu quero, e não para onde elas quiserem. E e não apenas carreguem minhas ideias, sonhos e vontades, mas o façam com muito charme, ritmo e precisão.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Colcha de Retalhos


Um Velho Menino
Me conta a História 
De uma linda senhora
Vestida de destino.
Ela não tinha nada
Trabalhava noite e dia
Cantando ou calada,
Construía o seu Palácio
Sua humilde moradia
Estendia sob o espaço
Quando à noite se cobria
Com seu merecido cansaço.
Trabalho, suor, trabalho,
E os frutos do trabalho ela colhia
Da colheita, uma colcha de retalho
Cuidadosamente ela cozia
Cada esforço, cada passo,
A memória, trazia nos braços
Num traço bordado
TransBordado de poesia.
Um belo dia
Terminado este conto
Uma grande alegria
Se via em seu manto
Secado ao sol 
Lavado em pranto
Ateou fogo em tudo que não tinha,
Vestiu seu Palácio
E virou Rainha. 

A Canção da Canção


Não olhe para mim
Olhe Comigo 
Para eu ser seu Amigo 
Para eu ser seu irmão  

Não se arrisque por mim
Se arrisque comigo
E viveremos o perigo 
De uma relação

Não venha até mim 
Venha comigo 
Siga o que eu sigo 
Mas a mim, não.

Não se apaixone por mim 
Se apaixone comigo 
Sou a apenas abrigo 
Do meu coração 

Para me amar, enfim,
Não escute o que eu digo 
Escute comigo
A Canção atrás da canção 

Cabelos


Cortei bem curto os longos cabelos
Que cresceram ao longo do tempo
Sobre tantos pensamentos,
Tantos planos, idéias, tanto zelo.
Cortei curto os longos cabelos
Que nutriram-se de tantas memórias
E entreguei-os ao Mar
Para registrar no sal da História
Cada golpe da minha vitória 
Sobre Mim.
Vitória que só agora reconheço
Agora que me olho no espelho
E vejo o quanto crescem os cabelos
E que junto com eles eu cresço.
Nunca estranhei os cabelos curtos,
Pois desde o Começo
Eu sabia do Fim.
Sabia até o Porquê e o Quando
Só não sabia 
que doía tanto assim.
Pois para vencer a Si mesmo
Também é preciso ser Vencido
É preciso se render 
E lutar para não entender
Sacrificar-se por você,
Este desconhecido.
É preciso sorrir e chorar
Até o riso se extinguir
Até a última lágrima Secar
E se juntar ao Mar da Memória 
No sal da incerteza, 
O gosto da minha História
Diluído na Grandeza 
Deste instante que me Invade. 
Alguns buscam a Felicidade
Eu busco a Beleza.